Por que Bahia e São Paulo criaram tropas táticas tão diferentes — e o que isso revela sobre nossas cidades
Introdução
Uma viatura corta as ruas de Salvador com o giroflex ligado (às vezes, nem precisa). Quem vê, já sabe: “a chocolate chegou”.
Mil quilômetros ao sul, outra viatura sobe uma ladeira de São Paulo como se a cidade fosse uma trincheira em movimento. “Os boinas pretas chegaram.”
De um lado, a RONDESP, orgulho da Bahia.
Do outro, a ROTA, personagem histórica da capital paulista.
As duas são símbolos de patrulhamento tático urbano. As duas inspiram respeito — e medo.
Mas a pergunta continua ecoando: são apenas siglas, ou dois jeitos diferentes de o Estado disputar a rua?
Neste artigo, vamos percorrer a história dessas tropas, entender suas doutrinas e revelar o que cada uma delas diz sobre as cidades onde nasceu.
História e Fama: as cidades que moldaram as tropas
ROTA – O motor de uma São Paulo que crescia sem freio
A ROTA nasce na década de 1970, quando São Paulo se expandia mais rápido do que suas próprias leis. Bairros inteiros surgiam sem saneamento, asfalto ou Estado. Era uma cidade partida e, muitas vezes, violenta.
Em 1970, no auge da ditadura militar, o 1º Batalhão de Choque da PMESP cria as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar como resposta a:
assaltos a banco,
ações armadas,
e à guerrilha urbana.
Quatro policiais por viatura.
Armamento pesado.
Mobilidade extrema.
Missão clara: chegar antes do crime crescer.
Com o fim da guerrilha, a estrutura não foi desativada — apenas mudou de alvo. A ROTA passou a direcionar sua doutrina para o combate ao crime organizado e ações de alto risco. Assim nasceu sua fama de tropa que entra onde o policiamento convencional não dá conta.
Hoje, pesquisadores descrevem a ROTA como um modelo de policiamento de confronto permanente, um “ponto de pressão” que o Estado ativa quando a rua ameaça escapar do controle.
• Fonte institucional da PMESP: https://www.policiamilitar.sp.gov.br/
• Histórico oficial do Choque: https://www.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/choque
RONDESP – A resposta da Bahia ao crescimento do crime urbano
Na Bahia, a história corre em outro ritmo.
Nos anos 1970, a PMBA já possuía um Batalhão de Choque voltado para ocorrências complexas. Mas o patrulhamento tático moderno surge décadas depois, quando a Região Metropolitana de Salvador explode em homicídios, tráfico estruturado e facções disputando bairros inteiros.
Para enfrentar esse novo cenário, a PMBA cria, em 2002, a Operação RONDESP — um patrulhamento tático móvel pensado para áreas de alto risco, com foco em CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais) e CVP (Crimes Violentos contra o Patrimônio).
Com o tempo, essa operação vira unidade formal.
Depois, torna-se uma malha de companhias independentes distribuídas por Salvador, RMS e interior.
Em 2025, parte dessa malha se transforma em Batalhões de Policiamento Tático.
A lógica é inversa à paulista:
Enquanto a ROTA centraliza força, a RONDESP se espalha.
• PMBA – Estrutura e histórico: http://www.pm.ba.gov.br/
• Estatísticas de CVLI e CVP: https://www.ssp.ba.gov.br/
Quando entram em cena: a rua muda de temperatura
Uma viatura comum passa e o bairro continua vivendo.
Mas quando a viatura da RONDESP dobra a esquina, ou quando a ROTA sobe o morro, todo mundo entende que ali não é mais patrulha de rotina.
A estética comunica a doutrina:
ROTA
farda escura,
boina preta,
SW4 e TrailBlazer 4×4,
histórico de choque.
RONDESP
farda marrom,
viaturas S10, SW4 e Hilux,
presença marcante do blindado “caveirão chocolate”,
foco no patrulhamento tático expansivo.
As armas também contam uma história:
ROTA – exemplos de emprego recente
Negev 7,62: arma de apoio, alta cadência.
AR-10 SuperSASS 7,62: precisão e longo alcance.
RONDESP – exemplos recentes de modernização
IWI Arad 5,56: compacto, ideal para combate urbano.
Arad 7,62: maior poder de parada.
Detalhes técnicos das armas (IWI e Negev):
https://iwi.net/
https://www.fnamerica.com/
E quando esses policiais descem da viatura, a comunicação muda sem nenhuma palavra:
postura, coluna de avanço, cobertura de ângulos, leitura de vielas e telhados.
É a entrada de times de resposta tática, onde a margem de erro é mínima.
Por que o Estado chama RONDESP e ROTA?
Nem Bahia nem São Paulo aciona essas tropas para tudo.
Elas entram quando:
há circulação de arma longa,
ponto de droga fortificado,
bairro dominado por facção,
carro roubado em série,
risco elevado de confronto,
mandados de alto risco.
É o momento em que o Estado admite que o policiamento comum não segura mais.
E no imaginário popular, isso ficou marcado.
“RONDESP passou aqui ontem.”
“A ROTA subiu o morro.”
Não são frases neutras.
São alertas.
O que isso diz sobre nós?
Toda vez que o Estado cria uma tropa com mais poder de fogo e autorização moral para atuar duro, surge um dilema.
A mesma viatura que tira um fuzil da rua também pode marcar feridas profundas em comunidades.
Para alguns moradores, são a última barreira entre o bairro e o domínio total do crime.
Para outros, representam o ponto mais agressivo da atuação estatal.
E é exatamente aqui que a discussão deixa de ser sobre “quem é mais braba” e passa a ser sobre projeto de cidade.
A Bahia responde de um jeito.
São Paulo responde de outro.
Mas ambas nascem da mesma realidade:
o crime se organizou mais rápido que o Estado.
Conclusão
Se você mora em Salvador, São Paulo ou qualquer outra capital brasileira, essa discussão não é teórica.
Ela define o caminho que você faz para voltar para casa.
Define o bairro onde cresceu.
Define o que você sente quando uma viatura cruza a sua rua.
Deixe nos comentários:
como você enxerga o patrulhamento tático na sua cidade?
E para continuar essa conversa, deixo aqui outros conteúdos sobre forças especiais e policiamento. É só clicar — te vejo lá.



