Introdução
Em 2018, o governo federal adotou uma intervenção na segurança do estado do Rio de Janeiro. Foram dez meses de medidas extraordinárias, com mudanças de comando e operações de grande visibilidade — um laboratório jurídico-operacional previsto na Constituição de 1988 que reacendeu um debate ainda atual: em que situações o Exército pode atuar em favelas? Isso resolveria o crime organizado? O que a lei realmente autoriza, sem achismos? A partir de dispositivos constitucionais, leis, decretos e decisões do STF, este artigo organiza o tema com links e fontes externas para você checar tudo por conta própria. Planalto+1
O que a lei diz?
A Constituição Federal atribui às Forças Armadas três missões: defender a Pátria, garantir os poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer desses poderes, garantir a lei e a ordem (art. 142). Isso significa que militares não fazem policiamento cotidiano; seu emprego interno é excepcional, com finalidade, área e prazo definidos. Planalto+1
O detalhamento está na Lei Complementar 97/1999, que disciplina o preparo e o emprego das Forças Armadas, inclusive nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O Decreto 3.897/2001 fixa diretrizes: missão por escrito, cadeia de comando, regras de engajamento e coordenação com órgãos civis — moldura feita para reduzir a zona cinzenta entre apoio e substituição de funções policiais. Planalto+1
Há ainda um instrumento diferente de GLO: a intervenção federal, prevista nos arts. 34 a 36 da Constituição. A intervenção altera governança por tempo determinado para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública — como ocorreu no Rio de Janeiro em 2018, quando um interventor assumiu a segurança pública do estado (Decreto 9.288/2018). Resumo rápido:
| Aspecto | GLO | Intervenção Federal |
|---|---|---|
| Base legal | Art. 142 + LC 97/99 | Arts. 34–36 CF/88 |
| Natureza | Operacional (reforço pontual) | Governança (substitui comando) |
| Escopo | Delimitado por área/objetivo | Amplo, reorganiza fluxos |
| Prazo | Curto e definido | Determinado em decreto |
| Finalidade | Estabilizar a ordem | Restabelecer a normalidade institucional |
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Por que “mandar o Exército” não vira política permanente? Porque segurança urbana opera um ciclo que começa na prevenção ostensiva, passa por investigação qualificada, preservação de cena, cadeia de custódia da prova, denúncia do MP e termina no Judiciário — engrenagem típica das polícias (Militar e Civil) e das políticas públicas. A doutrina central das Forças Armadas é outra (defesa externa e emprego excepcional). A Constituição desenhou a exceção; a rotina é policial. Planalto+1
Quando a exceção vira ação
Intervenção RJ (2018). O Decreto 9.288/2018 formalizou a intervenção federal na segurança do Rio. O objetivo jurídico foi o de sempre: pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública. A medida reorganizou cadeias de comando e ampliou operações integradas, mas também esbarrou em limites estruturais (inteligência, cadeia de provas, sistema de justiça). O próprio gabinete da intervenção publicou balanços operacionais (equipamentos adquiridos, estatísticas de apreensões), enquanto organizações independentes e imprensa produziram leituras críticas e mistas — útil para dimensionar expectativa vs. entrega. Faces da Violência+4Portal da Câmara dos Deputados+4intervencaofederalrj.gov.br+4
GLOs cirúrgicas (portos e aeroportos, 2023–2024). Em vez de ocupações amplas, o governo acionou GLO específica para portos e aeroportos (Decreto 11.765/2023), com reforço temporário em Galeão, Guarulhos, Santos e Itaguaí — focada em gargalos logísticos (fluxo de cargas e rotas do crime). A portaria ministerial definiu a diretriz operacional e o ato foi prorrogado em 2024 por mais 30 dias, evidenciando o caráter temporário e delimitado da medida. Serviços e Informações do Brasil+3Planalto+3Serviços e Informações do Brasil+3
O que se espera vs. o que se entrega. De uma GLO bem desenhada espera-se estabilização, fechamento de brechas e fôlego para as polícias retomarem protagonismo; entregas típicas são apreensões relevantes, controle de perímetro e interrupção temporária de rotas. O que não se entrega por decreto é solução estrutural para a segurança urbana (que depende do ciclo investigativo e de políticas continuadas). Portal da Câmara dos Deputados+1
“E se rotular facções como terroristas?”
Do ponto de vista penal, o Brasil possui a Lei 12.850/2013, que define organização criminosa, e a Lei 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo), que descreve finalidade específica e atos de terrorismo (com salvaguardas para impedir interpretações extensivas). Parte da comunidade jurídica entende que equiparar facções a terrorismo exigiria alteração legislativa cuidadosa — e não mudaria, por si, as chaves constitucionais de emprego militar (GLO, estado de defesa, estado de sítio). Defensores dessa ampliação apontam possíveis ganhos em cooperação internacional e rastreamento financeiro; críticos lembram a legalidade estrita e a vedação à analogia in malam partem. Legis Senado+3Planalto+3Legislação Presidência
Quem faz o quê na rotina urbana
A rotina da segurança é sustentada por polícias — PM (presença/prevenção) e PC (investigação) —, com integração a MP e Judiciário. O elo técnico-jurídico central é a cadeia de custódia: sem prova íntegra, processos caem e resultados não se sustentam. Nessa engrenagem, operações precisam de planejamento, justificativas e protocolos.
O STF, no âmbito da ADPF 635 (“ADPF das Favelas”), definiu salvaguardas para operações no RJ, cobrando planejamento escrito, comunicação ao MP, medidas de mitigação de risco e plano de redução de letalidade. Em 2025, a Corte homologou parcialmente o plano estadual e consolidou parâmetros; houve idas e vindas, mas permanece a diretriz de operações com critério, transparência e prestação de contas. Para gestores e equipes de ponta, isso impacta procedimento, logística e legitimidade. Ministerio Público do Rio de Janeiro+3Supremo Tribunal Federal+3Notícias STF+3
Tradução prática: empregar Forças Armadas na cidade é excepcional e condicionado; fora disso, o que mantém a ordem é presença qualificada, investigação sólida e prova que resiste no tribunal — pilares policiais e institucionais, não militares. Portal da Câmara dos Deputados
Conclusão — Exceção estabiliza; rotina consolida
Intervenções militares e GLOs pontuais podem estancar crises e fechar brechas críticas, mas não substituem o tecido institucional que dá previsibilidade, legitimidade e resultado duradouro à segurança pública. Exceção permanece exceção; a rotina depende de polícia profissional, integração com MP/Judiciário e políticas públicas consistentes. Separar mito de regra é o primeiro passo para discutir o tema com seriedade e com base. Planalto+1
Referências e leituras recomendadas
Constituição Federal — Art. 142 (Forças Armadas) e Arts. 34–36 (Intervenção Federal). Planalto+1
Lei Complementar 97/1999 — preparo e emprego das Forças Armadas; Decreto 3.897/2001 — diretrizes de GLO. Planalto+1
Decreto 9.288/2018 (Intervenção RJ) e relatórios/balanços oficiais e independentes. Portal da Câmara dos Deputados+2intervencaofederalrj.gov.br+2
Decreto 11.765/2023 (GLO Portos e Aeroportos) + portaria e prorrogação. Planalto+2Poder360+2
Lei 12.850/2013 (organizações criminosas) e Lei 13.260/2016 (antiterrorismo). Legislação Presidência+1
ADPF 635 (STF) — parâmetros para operações no RJ (comunicados e voto per curiam). Supremo Tribunal Federal+1
FAQ rápido
Exército pode patrulhar favela?
Apenas em emprego excepcional (ex.: GLO), com área e prazo definidos e regras de engajamento. Não é função permanente segundo a CF/88 e a LC 97. Planalto+1
GLO e intervenção são a mesma coisa?
Não. GLO é reforço operacional temporário; intervenção altera a governança e substitui comando por prazo certo (arts. 34–36). Legis Senado
Rotular facções como terroristas facilita o emprego militar?
Muda o debate penal (cooperação e penas), mas não altera as chaves constitucionais para tropas nas ruas. Alterações exigem processo legislativo e, possivelmente, mudanças constitucionais. Planalto+



